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segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Abordagem psicológica da AIDS através do enfoque cognitivo-comportamental

Psicologia: Reflexão e Crítica

Print version ISSN 0102-7972

Psicol. Reflex. Crit. vol.12 n.1 Porto Alegre  1999
doi: 10.1590/S0102-79721999000100006

Abordagem psicológica da AIDS através do enfoque cognitivo-comportamental

Eduardo Augusto Remor1
Universidad Autónoma de Madrid, Espanha


Resumo
Este artigo apresenta um conjunto de conhecimentos que são fruto do trabalho clínico e de reflexões, juntamente com a revisão teórica dos principais aspectos relacionados com a Infecção pelo HIV, abordagem terapêutica e um panorama geral das possíveis alterações emocionais que podem apresentar as pessoas infectadas pelo HIV ou que já tenham desenvolvido AIDS. Pretende centrar-se nos aspectos relacionados à intervenção psicológica a partir do enfoque terapêutico cognitivo-comportamental. Demonstra-se que a problemática apresentada por pessoas infectadas pelo vírus da AIDS requer uma atenção específica. Propõe-se uma abordagem bio-psico-social de seus problemas, pois, além das necessidades de atenção da própria doença, juntam-se outros aspectos relacionados com a mesma, como o rechaço social que a doença gera, a atenção às famílias, os problemas sociais, jurídicos e laborais, assim como a necessidade de informação, assessoramento e apoio psicológico ao afetado e as suas famílias.
Palavras-chave: Terapia cognitivo-comportamental; AIDS; HIV; alterações emocionais.

Psychological approach to AIDS based on the cognitive-behavioral model

Abstract
This article presents the outcomes of clinical practice and a theoretical review of the main issues related to HIV Infection, including a general panorama of possible emotional alterations that can be present in HIV-positive persons or in those who have AIDS. The issues related to psychological intervention based on the cognitive-behavioral therapeutic approach are the central theme. It will be shown that the problems of persons infected with the AIDS virus, require specific attention if a bio-psycho-social approach to these problems is proposed. Besides the need for attention to the actual illness, there are other aspects related to the social rejection it causes, family care, social, legal, and labor problems, as well as the need for information, counseling, and psychological support for the patients and their family.
Keywords: Cognitive-behavior therapy; AIDS; HIV; emotional disorders


Quando se fala de Infecção pelo Vírus da Imuno-Deficiência humana (HIV) e Síndrome da Imuno-Deficiência Adquirida (AIDS), a área preventiva é extremamente importante, já que atualmente o único método eficaz para evitar a propagação da pandemia é a mudança dos comportamentos de risco no âmbito da sexualidade e do uso de drogas injetáveis. Outra faceta da Infecção pelo HIV é a convivência com o vírus. Intervir, remediar ou melhorar a convivência com o vírus da imuno-deficiência humana significa trabalhar desde o âmbito da prevenção secundária, isto é, quando a "doença" já está instalada. Portanto, o objetivo central deste artigo será apresentar o enfoque clínico, dentro de um marco teórico cognitivo-comportamental, aplicado a pessoas afetadas pelo HIV e AIDS.

O diagnóstico e tratamento da infecção por HIV e AIDS está acompanhado de profundas implicações psicológicas e sociais que não se podem deixar de lado se o que pretende-se é dar uma resposta eficaz aos diferentes problemas que apresenta a doença.

Os objetivos da intervenção psicológica devem, por um lado, focalizar-se na identificação das necessidades; transmissão de informação suficiente e adequada ao indivíduo e proporcionar estratégias psicoterapêuticas que incluam instrumentos de manejo de suas próprias emoções, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida num sentido amplo. Por outro, estimular atitudes positivas e estratégias de enfrentamento (coping), comunicação clara e aberta, detecção e enfrentamento ao stress, incrementar a sensação de autocontrole, expectativas de eficácia e esperança, desenvolver habilidades sociais e facilitar a integração com os serviços da comunidade (ongs, associações, grupos de auto-apoio, etc.) e centros de saúde.

Alguns aspectos históricos na epidemia do Vírus da Imuno-Deficiência Humana

Desde que foram descritos os primeiros casos de uma, então, rara doença, em 1981, nos Estados Unidos até a atualidade, passou mais de 15 anos. O impacto produzido, pelo que em 1982 se definiria como Síndrome de Imuno-Deficiência Adquirida (AIDS), foi excepcional, não só em nível do mundo da ciência, como pelo seus altos custos humanos, sociais e econômicos e, com certa freqüência, por desgraça, devido a sua aparição nas publicações não científicas com claro matiz sensacionalista, marginador ou oportunista, com efeitos desinformativos para a população geral.

A AIDS não é um fenômeno absolutamente novo. Conhecem-se dados de sua existência ao examinar bancos de soro armazenados, em 1959, na África Central, assim como pelo reconhecimento retrospectivo de determinados casos na Europa e Estados Unidos nas últimas duas décadas, porém ainda que a infecção HIV tenha começado a propagar-se e estender-se no mundo desenvolvido e no Continente Africano na década de 70, o primeiro caso de AIDS descreve-se nos Estados Unidos em 1981, apresentando-se desde então um importante crescimento no número de casos e uma penetração nos cinco continentes, o que constitui uma pandemia altamente letal (cerca de um 50% dos afetados faleceram) com importantes custos sociais e econômicos e perda de numerosas vidas humanas (Costa, Damiano & Rubio, 1992; Tatchell, 1987).

O número de pessoas infectadas pelo vírus em todo o mundo, de acordo com os modelos matemáticos, apresenta um crescimento próximo ao exponencial. Estes modelos são baseados na extrapolação dos resultados estatísticos obtidos no estudo das populações representativas.

Segundo Costa, Damiano e Rubio (1992), os motivos fundamentais que obrigam a considerar esta pandemia como um problema sanitário grave são: a) o padrão de crescimento do número de afetados sem perspectivas de controle a médio prazo; b) as características da população afetada com difícil controle em alguns grupos; c) o mal prognóstico da doença; d) a escassa probabilidade de descobrir um tratamento etiológico, assim como a obtenção de uma vacina nos próximos anos; e) o elevado custo humano, social e econômico que está supondo a infecção HIV. A partir disso, a Cumbre Mundial de Ministros de Saúde, na sua declaração de Londres, de 28 de Janeiro de 1988, considerou a AIDS como um problema mundial que entranha uma grave ameaça para a humanidade.

Dados epidemiológicos

A Síndrome de Imuno-Deficiência Adquirida e a Infecção pelo HIV são, na atualidade, um problema de Saúde Pública em nível Internacional. As estimações da Organização Mundial da Saúde (OMS) para o ano 2000 em nível mundial são de 13-18 milhões de casos acumulados de AIDS e 30-40 milhões de soropositivos (VIH+) (Montagner, 1993).

Segundo estimativa da OMS a meados de 1995, existiam naus de 4,5 milhões de casos de AIDS no mundo, e que mais de 20 milhões de pessoas estavam infectadas pelo HIV.

A incidência anual de AIDS segue aumentando em usuários de drogas via parenteral e na transmissão heterossexual. Em homens, homossexuais e bissexuais observa-se, em alguns países, uma estabilização dos casos desde 1992. Em receptores de transfusões e hemoderivados, o número de casos novos está em diminuição (em países desenvolvidos), porém, ainda existem pessoas que se infectaram no passado por estas vias e ainda não desenvolveram sintomatologia de AIDS. A incidência de AIDS em filhos de mães soropositivas leva vários anos estabilizada nos países desenvolvidos, apesar de que o número de mulheres infectadas aumentou, estes dados são menos positivos em países pobres.

De acordo com o Centro Europeu para a Vigilância Epidemiológica, até Julho de 1995 se haviam notificado à OMS 1.169.811 casos mundiais de AIDS (Boletin Epidemiologico Semanal, 1996). Dados atuais indicam que a Europa apresenta 185.588 casos acumulados (European Center for Epidemiological Monitoring of AIDS, 1997).

Os casos de AIDS (adultos e pediátricos) nas Américas, até dezembro de 1997, são de 812.162. Os países mais prejudicados na América são Estados Unidos, com 581.429 casos acumulados de AIDS; Brasil, com 110.845 casos e México, com 30.970 casos até dezembro de 1997 (OMS, 1997).

Definição da infecção HIV e AIDS

Depois do descobrimento, em 1983, do agente etiológico, o denominado mais tarde Vírus da Imunodeficiencia Humana (HIV), assim como pela descrição de outros quadros relacionados, se considera a AIDS como uma parte do espectro, precisamente a ponta do iceberg, da denominada de uma forma mais correta e ampla infecção pelo HIV.

A infecção HIV é, portanto uma doença transmissível produzida por um retrovírus (vírus lento) que afeta direta e fundamentalmente, entre outros, o sistema imunológico - produzindo sua destruição - e o sistema nervoso. Apresenta um amplo espectro de manifestações clínicas, que vão desde a infecção aguda inicial, quando esta é sintomática e passando por um largo período de portador assintomático, de anos de duração, até desembocar em uma série de infecções oportunistas e/ou neoplasias que definem o estado mais avançado e mortal da doença denominado AIDS (Costa, Damiano & Rubio, 1992; Usieto & Valenciano, 1994; Roitt, Brostoff & Male, 1993; Remor, 1997).

A infecção pelo HIV se transmite através do contato direto de fluídos corporais - como o sangue, o sêmen e as secreções vaginais - de uma pessoa infectada, com o sangue ou as mucosas de uma pessoa não infectada.

O HIV ataca o sistema imunológico, em especial, ainda que não unicamente, aos linfócitos T4 (CD4+) e dá lugar a 26 enfermidades diferentes, de acordo com o critério dos Centers for Diseases Control (CDC) dos Estados Unidos. Portanto, para falar de diagnóstico ou caso de AIDS, devemos observar uma série de critérios já estabelecidos e que foram definidos com fim de vigilância epidemiológica, que são: (a) soropositividade ao HIV; (b) menos de 200 linfócitos CD4+/ul; e (c) uma das 26 enfermidades especificadas pelo CDC (Bayes, 1995; Gattel, Clotet, Podzamczer, Miró & Mallolas, 1996; Remor, 1997).

A partir de janeiro de 1993, ampliou-se a classificação e diagnóstico de AIDS, devido à inclusão de novas doenças associadas ao HIV (dentre elas a tuberculose pulmonar, a pneumonia bacteriana recorrente e o carcioma invasivo de cervix, etc.). Esta classificação está representada na Tabela 1 a seguir:

Tabela 1. Classificação das doenças associadas ao HIV de acordo com as cifras de linfócitos CD4(T4)

X

Categorias Clínicas

Categorias de acordo com as cifras de linfócitos CD4 (T4)

A

B

C
(AIDS)

1. > 500/ ul (> 29%)

A1

B1

C1

2. 200 - 499/ul (14 – 28%)

A2

B2

C2

3. < 199/ul (AIDS) (< 14%)

A3

B3

C3

Fonte: Gatell e cols., 1996 (modificado).

Os pacientes incluídos nas categorias C1, C2, C3, A3 e B3 consideram-se afetados de AIDS. As duas últimas categorias (A3 e B3) representam uma ampliação com respeito à definição de 1987, baseada exclusivamente na contagem de linfócitos CD4 e que, de momento, não foi aceita pela OMS para Europa (Gatell e cols., 1996).

Alterações imunológicas e fatores de progressão na Infecção HIV e AIDS

Quando uma pessoa se infecta pelo HIV, de 2-4 semanas pode apresentar uma primo-infecção sintomática (que na maioria das vezes passa desapercebida: febre, suor noturno, diarréia, perda de peso superior a 10%, candidíase oral, etc.); posteriormente o paciente fica assintomático, durante vários anos. Esta latência clínica não acompanha-se de uma latência virológica, uma vez que existe uma grande interação entre o HIV e o sistema imunológico do paciente. No entanto, a progressão a AIDS varia de pessoa para pessoa (Miró, Garcia & Moreno, 1996a, 1996b).

Atualmente se conhece o receptor celular para o HIV. Trata-se de uma proteína de membrana chamada CD4, que encontra-se fundamentalmente na superfície de uma subpopulação maior de linfócitos T, os linfócitos cooperadores e também em macrófagos, células natural killer, e alguns linfócitos B, fundamentalmente. As células infectadas pelo HIV podem ser destruídas, ter prejudicada sua função normal ou constituir reservatórios do vírus (macrófagos). Como os linfócitos CD4 desempenham um papel fundamental na resposta imunológica e são as células principalmente infectadas pelo vírus, é lógico que o processo se caracterize por uma grave deficiência imunológica que acaba afetando tanto a imunidade celular como a humoral (Costa, Damiano & Rubio, 1992; Roitt, Brostoff & Male, 1993).

A resposta do hóspede ao HIV é insuficiente, os anticorpos neutralizantes tendem a diminuir com o passar do tempo e por diversas razões, sua ação é pouco efetiva: em definitivo, o vírus escapa da proteção que o sistema imunológico nos proporciona frente a outras infecções.

As alterações imunológicas que se produzem, diferem em grau e freqüência nos diferentes estágios clínicos da infecção, havendo uma tendência a que as alterações sejam mais severas com a progressão clínica da doença, assim as variáveis, do ponto-de-vista bio-fisiológico, que vão mediar a evolução para o diagnóstico de AIDS são as características clínicas, imunológicas e virológicas.

As últimas pesquisas indicam que, de fato, a cifra de linfócitos CD4 e a carga viral são os dois marcadores que permitem identificar se um paciente tem risco ou não de progredir para o diagnóstico de AIDS (Phair e cols., 1997). Descrevem que de 5-10% dos pacientes apresentam progressão para a AIDS durante os primeiros 2-3 anos, chamados "progressores rápidos". A maioria dos pacientes tem uma progressão lenta, com uma média de progressão para a AIDS de 10 anos, de forma que aos 12-15 anos da primo-infecção, 60-75% dos pacientes haverá desenvolvido AIDS. Finalmente, menos de 10% permanecem assintomáticos e sem deterioração imunológica aos 12-15 anos de seguimentos, chamados pacientes "não progressores para a AIDS" a longo prazo (Miró, Garcia & Moreno, 1996a, 1996b).

Alterações psicológicas nas pessoas afectadas pelo HIV

A infecção por HIV e AIDS não possui intrinsecamente nenhum componente que justifique alterações psicológicas nas pessoas afetadas, salvo naqueles casos nos quais a doença prejudicou estruturas neurológicas. Porém, empiricamente, observa-se que os afetados, em maior ou menor grau, sofreram alterações emocionais. Tanto no momento de conhecer a notícia de sua soropositividade ou inclusive antes, quando a pessoa suspeita estar infectada pelo HIV, - desde que a pessoa realiza o teste de anticorpos até que conhece os resultados do mesmo; além de todo o processo de convivência com o vírus - é muito provável que apareçam alterações emocionais (Garcia-Huete, 1993; McKusick, 1988; Remor, 1997). Veja no final deste bloco um quadro resumo das alterações emocionais (Tabela 2).

Etapas em que podem ocorrer alterações emocionais relacionadas ao HIV/AIDS

Quando uma pessoa suspeita estar infectada pelo HIV

Quando uma pessoa apresenta-se voluntariamente para solicitar informação ou realizar o teste de anticorpos (no caso de centros de saúde), normalmente considera que teve algum comportamento de risco que justifica a mesma. Se não houve previamente nenhuma informação individualizada, o sujeito haverá passado por uma época de dúvida na qual a possibilidade de ser soropositivo haverá gerado algum tipo de reação emocional (possivelmente relacionado com estados de ansiedade). Outro caso será de uma pessoa que recorrendo a algum serviço médico seja detectada alguma sintomatologia, que associada a comportamentos de risco, seja indicativo de soropositividade. Uma terceira possibilidade será no caso dos companheiros(as) de pessoas infectadas, que apresentam-se para realizar o teste, por indicação de pessoal sanitário ou porque, ao conhecer que seu companheiro(a) é soropositivo, queiram saber se estão infectados.

Tabela 2. Resumo das Alterações Emocionais, Infecção por HIV

Alteração

Situação

Choque

Pelo diagnóstico e possibilidade de morte
Por perda de esperança de boas notícias

Medo e Ansiedade

Prognóstico incerto e curso da doença
Deterioro e incapacidade
Efeitos da medicação e tratamento
Isolamento e rejeição
Infectar outros e reinfectar-se
Por perda das capacidades cognitivas, físicas, sociais e de trabalho

Depressão

Pelo deterioro "inevitável"
Pela inexistência de cura
Pelo vírus controlando o futuro de sua vida
Pelos limites impostos pela doença e rejeição dos demais
Por auto-culpabilização e recriminação por haver-se exposto ao HIV

Raiva e Frustração

Por incapacidade de superar o vírus
Por novas e involuntárias restrições de saúde ou estilos de vida
Pela incerteza do futuro ("fora de suas mãos")

Culpa

Por um estilo de vida passado levar à exposição ao vírus
Pela possibilidade de ter infectado outros involuntariamente

Problemas obsessivos

Implacável busca por novas evidências diagnósticas
Cuidados sobre a saúde e dietas alimentares
Preocupação com doenças e morte, e evitação de novas infecções

Em todos os casos, é necessário explicar em que consiste o teste de anticorpos e que significa ser soropositivo, junto com alternativas de cuidados de saúde e medidas preventivas. É um bom momento para assegurar-se, ou repetir a informação básica, ao mesmo tempo que se informa sobre o tempo que se demora em dar os resultados.

Desde que a pessoa realiza o teste de anticorpos até que conhece os resultados da mesma

Observou-se durante o tempo em que transcorre a extração do sangue até que se informa o resultado, manifestações de ansiedade provocadas pela dúvida frente ao resultado. Essas manifestações vão unidas a transtornos psicossomáticos provocados pelos estados de ansiedade, como por exemplo: cefaléias, insônia (pesadelos), diarréia, tensões, etc. É adequado informar à pessoa destas manifestações (no momento em que solicita o teste), para que ela interprete adequadamente estes estados emocionais, além da informação mencionada anteriormente no item A.

No momento de conhecer a notícia de seu status sorológico

Frente a um resultado negativo, a pessoa perceberá uma grande sensação de alívio e de descarga emocional.

Porém, no caso de um resultado positivo, as emoções vividas pela pessoa são totalmente diferentes e podem observar-se diferentes reações psicológicas frente à soropositividade (Ross, 1990). Estas foram descritas inicialmente por Kübler-Ross (1993), na atenção de pacientes com câncer e em doentes terminais; posteriormente os pesquisadores e clínicos que trabalham com pacientes HIV/AIDS, adaptaram e aperfeiçoaram estas fases para a atenção neste campo (Mittag, 1996; Ross, 1990), devido a que na maioria das vezes estas reações psicológicas se devem com maior probabilidade ao estigma associado a AIDS do que com a morte.

Cabe comentar que estas fases não ocorrem, necessariamente, de uma forma gradual e/ou inclusive algumas poderão ser suprimidas no processo de adaptação e convivência com o HIV:

- Choque Emocional (período de reação variável, respostas de inibição ou, do contrário, respostas de grande intensidade emocional, relacionados a uma preocupação inicial dirigido à família ou companheiro(a), já que supõe um sofrimento para eles/as, além das cognições negativas sobre a AIDS)

- Negação (tentativa de negar a evidência mediante mecanismos de evitação-fuga com finalidade de adaptar-se à nova situação)

- Agressividade (ira dirigida a sua própria pessoa ou a outros, estados de angústia, cólera)

- Pacto (buscar soluções ao problema-doença para "atrasar a morte")

- Depressão (tristeza, ansiedade, angústia, crise, reação natural ao medo da doença)

- Aceitação (quando o sujeito consegue vencer a angústia da morte, e inclusive superar sentimentos de desamparo, sensação de estar indefeso, dependência, etc.)

Durante a evolução da infecção por HIV e AIDS

As alterações emocionais mais freqüentes nas pessoas infectadas pelo HIV/AIDS são as respostas de ansiedade e de depressão. Ambas têm a função adaptativa de avisar ao organismo para que este efetue uma mudança no seu ambiente ou em si mesmo.

A resposta de ansiedade é o resultado de uma ativação do organismo, que se produz para fazer frente a uma ameaça, esta pode ser externa ou pode ser a antecipação cognitiva de uma possível ameaça futura. Se produz um aumento da tensão muscular, incremento do ritmo cardíaco e da taxa respiratória (todas estas alterações tem como objetivo preparar o organismo para dar uma resposta de ataque/fuga frente à "ameaça").

A resposta de depressão se produz quando o indivíduo percebe que seu meio, inclusive ele mesmo e seu futuro, apresentam apenas possibilidades negativas e ausência de gratificações, ou também frente a situações em que sente estar desamparado (com incapacidade de solucionar seus problemas). Se produz um estado de ânimo disfórico, abatido, e o indivíduo apresenta uma profunda sensação de tristeza e apatia.

No caso das pessoas infectadas pelo HIV/AIDS as "ameaças" são reais, existem (p. ex.: na atualidade, a infecção HIV não tem cura definitiva; temor à perda de sua imagem corporal (aspectos estéticos) e à perda de sua autonomia; temor a ser rechaçado ou perder a seus familiares, amigos, companheiros(as); sentimentos de culpa; temor a contagiar, dificuldades no âmbito laboral; dificuldades econômicas devido ao alto custo dos tratamentos e também no caso de medicação específica para determinadas doenças oportunistas - esta situação se agrava nos países subdesenvolvidos, onde o sistema de saúde é precário e não pode financiar tais tratamentos).

Segundo Garcia-Huete (1993), o sujeito reage frente à possibilidade de perder sua saúde, seus seres queridos, seu trabalho e inclusive sua própria vida. Além disso, a visão de si mesmo, sua auto-estima, se vê em ocasiões alterada, uma vez que podem surgir sentimentos de culpa por haver contraído a doença. Por isso, é "normal" que em determinados períodos o sujeito apresente reações, mais ou menos intensas, de ansiedade e/ou depressão. Cabe salientar que se estas não se produzissem poderíamos pensar que existe algum desajuste emocional no indivíduo. Não obstante, se a depressão e a ansiedade se prolongam no tempo (e especialmente quando a intensidade das mesmas é elevada) podem ter claros efeitos negativos sobre a qualidade de vida do indivíduo, isto implica em: (a) diminuição da resposta imunológica evidenciada por numerosos estudos que indicam que existe uma relação entre ambas variáveis, demonstraram que sujeitos que estiveram submetidos a situações destress ou depressão, apresentavam uma diminuição na potência do sistema imunológico (Ader & Cohen, 1981; Antoni, Schneiderman, Fletcher & Goldstein, 1990; Bayés, 1988; 1990; Remor, 1997); (b) estados prolongados de ansiedade ou depressão podem bloquear a capacidade de resposta do sujeito, sua capacidade para adaptar-se ao meio e dar respostas mais eficazes frente a situação, isso pode levar a que não observe o seguimento dos tratamentos médicos, cuidado da própria saúde, etc. (Bayés, 1995).

Ainda que seja certo que em muitas ocasiões existem fundadas razões para que o sujeito experimente estas reações de alarme, não é menos certo que determinados estilos cognitivos podem fomentar ou diminuir a possibilidade de que apareçam alterações emocionais prolongadas e intensas. Estes estilos cognitivos são padrões de respostas aprendidos e portanto podem ser modificados e substituídos por outros estilos mais adaptativos que permitem uma avaliação mais realista e ajustada à situação (Bayés, 1995; Garcia-Huete, 1993).

Outras alterações relacionadas com a infecção pelo HIV

Auto-observações

A partir do conhecimento de seu estado sorológico, é freqüente que as pessoas infectadas, aumentem a freqüência com que observam mudanças em seu organismo; essas observações levam consigo um aumento da ansiedade, devido a que são interpretadas como sinais da progressão da doença, ainda que em realidade são mudanças habituais ou alterações que podem estar presentes na vida do sujeito. Exemplos cotidianos são coisas tão simples como a aparição de espinhas, manchas na pele, gripes comuns, dores de garganta, etc. (Garcia-Huete, 1993).

Contudo, um certo nível de auto-vigilância tem uma função adaptativa e com conseqüências positivas para o sujeito. Detectar prematuramente alterações no organismo permite uma rápida intervenção, como no caso das infecções oportunistas que têm um tratamento eficaz. Portanto, quando a auto-observação deixa de cumprir uma função de alerta para a busca de recursos ou soluções, transformando-se em uma conduta obsessiva improdutiva, pode ocorrer que esta converta-se em angústia e estados de ansiedade. Se esses estados de ansiedade são intensos e/ou prolongados no tempo, podem ter um efeito imunodepressor, num organismo cujo sistema defensivo já é muito vulnerável (Bayés, 1995).

Temores (medos)

Além dos comentados, surgem outra série de temores, que vão influir na aparição e manutenção das alterações emocionais: contagiar a outros, reinfectar-se, evolução da doença, estados de padecimento físico, não poder controlar suas emoções, etc. (Bayés, 1995).

Suicídio

Não foram descritos muitos casos de suicídio na literatura especializada. A experiência no trato continuado com soropositivos nos diz que inclusive a incidência de suicídio pode ser menor do que em outras doenças (WHO, 1990; Garcia-Huete, 1993).

Transtornos neurológicos

Além das alterações descritas, é necessário mencionar os transtornos provocados diretamente pelo HIV no sistema nervoso central (SNC). Conhece-se atualmente que o HIV pode afetar o SNC desde o começo da infecção e provocar diferentes quadros ao longo de todo o processo. O principal transtorno neurológico é a encefalite sub-aguda - caracterizada por mudanças cognitivas, comportamentais e motoras graduais associadas à demência - também denominada Complexo de Demência AIDS. Entre os primeiros sinais mais comuns, figuram os tremores, lentidão ou embotamento e afazia. Sua incidência foi observada em 30% das pessoas que já haviam desenvolvido AIDS, unido a outras alterações do SNC. Os doentes de AIDS podem chegar a desenvolver um quadro de demência em 40% dos casos (WHO, 1990; Garcia-Huete, 1993; Arranz, 1990, Arranz & Albornoz, 1994).

Os sinais e sintomas clínicos específicos encontrados em pacientes com Complexo de Demência de AIDS em ambos estágios (inicial e tardio) são descritos a seguir (Dilley & Baer, 1990):

Sintomas Iniciais:

Cognitivos - perda de memória, dificuldade de concentração, lentidão de pensamento, confusão;

Comportamentais - apatia, isolamento, "depressão", agitação, confusão, alucinações;

Motores - perda de coordenação, dificuldade para escrever, tremores, fraqueza bilateral, caminhar lento.

Sintomas Tardios:

Cognitivos - demência global, confusão, distração, resposta verbal dilatada;

Comportamentais - olhar vago (perdido), impaciência, desinibição, psicose orgânica;

Motores - lentidão, fraqueza: pernas e braços, ataxia, trio de sinais piramidais: espasticidade, hiper-reflexia e tremor.

As cognições sobre a AIDS

As cognições (conhecimentos, imagens e pensamentos) que desenvolve uma pessoa afetada estão mediadas pela informação que se têm sobre a doença, e estas vão influir na aparição e intensidade das alterações emocionais, mediados pelos erros no processamento de informação (distorções cognitivas, idéias irracionais).

Uma primeira informação que vai influir nos processos cognitivos é que atualmente não existe nenhum tratamento eficaz para a AIDS. Este pensamento não é totalmente correto, existem tratamentos paliativos que atrasam o desenvolvimento da doença ou a morte, ao mesmo tempo em que permitem melhorar a qualidade de vida dos pacientes (inibidores da transcriptasa: AZT, DDI, DDC, 3TC, D4T e inibidores da proteasa: Ritonavir, Indinavir, Saquinavir2). Existem bons tratamentos para praticamente todas as infecções oportunistas.  

As pessoas diagnosticadas de AIDS morreram em pouco tempo. Em realidade nenhuma estimação de sobrevivência é totalmente exata, e a sobrevivência depois do diagnóstico de AIDS vem aumentando nos países mais desenvolvidos desde uma média de menos de um ano até aproximadamente de 1 a 2 anos atualmente. Nos países em desenvolvimento, segue sendo breve: estima-se em mais ou menos seis meses, ou menos. Existe uma correlação direta entre a sobrevivência e o uso sistemático de medicamentos anti-retrovirais, a utilização de medicamentos profiláticos em algumas infecções oportunistas e o aumento da qualidade dos cuidados da saúde.

Outros fenômenos associados, como os efeitos psicossociais acompanhantes (laborais e sociais), também influem cognitivamente -"Quando eu fizer a revisão médica no trabalho me descobrirão"; "Me despedirão quando souberem"; "Meus amigos não me entenderão". Além disso, aos sujeitos se solicita que mudem seus hábitos sexuais, de alimentação, exercício, hábitos tóxicos, etc. Normalmente, estas mudanças serão benéficas para sua saúde, ainda que ao mesmo tempo eliminem fontes de gratificação. A gratificação imediata e a curto prazo que proporcionam os comportamentos de risco, frente à baixa gratificação dos comportamentos saudáveis e seguros (p. ex.: uso de seringas descartáveis ou esterilização destas, sexo com preservativo, etc.) é um dos principais obstáculos no momento da eleição por condutas mais saudáveis e seguras à saúde (Bayés, 1995).

O fato de ser soropositivo pode produzir mudanças em estruturas familiares e de "casal"/companheiro(a) - "Vou ficar sozinho.", "Me abandonarão".

Pela percepção geral da AIDS, ao contrário do que em outras doenças, os sujeitos afetados têm poucas possibilidades de compartir socialmente suas preocupações, ocorrendo com freqüência comportamentos de ocultação - "Ninguém pode entender o que estou sentindo"; "Meus amigos não aceitam"; "Vai ser uma vergonha para a família"- que mais tarde levaram a condutas de isolamento.

Avaliação e Intervenção Psicológica

É fundamental antecipar e fomentar o suporte psicológico que facilite a identificação precoce dos problemas que incidem na aparição das alterações emocionais, já que desta maneira têm-se a oportunidade de atuar sobre eles evitando crise, buscando alternativas, possíveis soluções e facilitando uma utilização adequada dos recursos existentes. Desta forma, possibilitaremos a identificação precoce das alterações psicológicas e neuropsiquiátricas com a finalidade de intervir o mais cedo possível, estimulando a utilização dos recursos pessoais que ajudem as pessoas infectadas a manejar as diferentes reações emocionais que podem prejudicar-lhes.

Avaliação

Na etapa de avaliação, devemos considerar os seguintes aspectos: (1) Avaliar a informação que possuem sobre a transmissão, prevenção e tratamentos; (2) O que sabem sobre a sua situação clínica; (3) Quais são as suas principais preocupações (ajudar-lhes a defini-las, priorizá-las e abordá-las); (4) Identificar recursos e modos como enfrentarão situações difíceis anteriormente (estratégias de enfrentamento); (5) Avaliar o apoio social, em sua estrutura (rede social) e em sua utilização por parte do indivíduo.

Intervenção

A intervenção psicológica em pessoas portadoras de HIV e AIDS deve ter como objetivos: (1) fortalecer suas capacidades de enfrentamento, frente ao desamparo aprendido (learned helplessness); (2) ajudar-lhes a que tomem as suas próprias decisões; (3) ajudar a afrontar o estigma e isolamento associado à AIDS; (4) reduzir as alterações emocionais; (5) dar informação clara e adequada; (6) ensinar estratégias de autocontrole. Para reduzir as alterações emocionais, devemos intervir nos três níveis de resposta: cognitivo, fisiológico-emocional, motor oucomportamental (Tabelas 3.1; 3.2; 4; 5).

Níveis de resposta e estratégias de autocontrole

Para atuar sobre as respostas cognitivas, trabalharemos com base no modelo cognitivo (Beck, 1982; Ellis, 1980; 1990), que descreve que as crenças irracionais e os pensamentos inadequados (distorcidos) atuam na formação, manutenção e mudanças das alterações e desordens emocionais. Portanto, o afeto e o comportamento de um indivíduo são amplamente determinados pelo modo como estrutura seu pensamento frente ao mundo, baseando suas cognições em atitudes ou suposições desenvolvidas a partir de experiências prévias. A seguir (Tabelas 3.1 e3.2) apresentam-se possíveis respostas cognitivas frente à infecção pelo HIV, com as respectivas estratégias de autocontrole, através de técnicas cognitivas.

Tabela 3.1. Resposta cognitiva frente à infecção pelo HIV

Resposta cognitiva

Situação

Antecipação de conseqüências negativas

Pensar que os acontecimentos futuros serão negativos. ex.: "Mesmo que agora eu esteja bem sei que em breve a minha situação será irreversível".

Maximização eventos negativos

Aumenta-se a importância de sucessos desfavoráveis. ex.: "Esta infecção da pele é um sinal do meu deterioro", "Não tem saída!".

Minimização eventos positivos

Não dar importância a situações favoráveis. ex.: "O médico me disse que o meu estado imunológico é bom, os CD4 não têm baixado, mas eu tenho certeza de que a minha doença esta avançando."

Idéias de culpa

Auto-culpabilização. ex.: "É porque sou homossexual que me aconteceu esta desgraça", "Fui promíscuo e agora estou pagando."

Excessiva preocupação pela saúde

Auto-observação exagerada. ex.: "Esta manhã me levantei e quando me vi no espelho parecia muito mais magro que ontem."

Idéias de desamparo aprendido (learned helplessness)

Pensar que os acontecimentos futuros estão prédeterminados e não podem modificar-se. ex.: "Não importa o que eu faça eu não consigo encontrar-me melhor", "Não adianta tomar estes remédios, eu vou morrer igual."

Hipergeneralização

Extrair conclusões gerais de um determinado evento concreto. ex.: "Jorge foi abandonado pelo seu companheiro ao saber que era soropositivo, se eu contar para o Fernando, comigo vai acontecer igual."

Para atuar sobre as respostas fisiológicas-emocionais e motoras ou comportamentais, tomaremos como base o modelo terapêutico cognitivo-comportamental (Dobson, 1988; Cottraux, 1991; Caballo, 1991), que faz uma integração dos modelos cognitivo e comportamental, procurando modificar o comportamento pela alteração dos pensamentos, interpretação e crenças do indivíduo, juntamente com, no sentido inverso, a atuação sobre os aspectos manifestos e observáveis do comportamento, para induzir mudanças emocionais e cognitivas.

Apresentam-se a seguir (Tabelas 4 e 5) as principais respostas fisiológicas-emocionais e comportamentais com as respectivas alternativas de controle. encontramos na etapa dos balanços. Num crescente, os poderes públicos e o público passam contas aos que têm a "responsabilidade" pela saúde mental.

Tabela 3.2. Estratégias de controle cognitivo

Situação
Estratégia

Informação
Dar informação clara e objetiva, para eliminar erros, mitos e falácias sobre a infecção HIV/AIDS.

Reestruturação cognitiva
Modificação dos pensamentos inadequados (distorções cognitivas, idéias irracionais).

Demonstrar a improdutividade de determinados pensamentos
Comprovar a pequena contribuição positiva de certos pensamentos.

Detectar as fontes de stress
Reconhecer situações que produzem alterações emocionais.

Prevenção de respostas
Preparar-se para acontecimentos que podem surgir no futuro.

Auto-instruções
Internalizar mensagens que facilitem a enfrentar situações inesperadas (mensagens positivas).

Idéia de controle
Ser consciente de que pode-se determinar/dirigir de alguma maneira o curso da sua doença.

Melhora da auto-estima
Sentir-se capaz de desenvolver suas capacidades.

Resolução de problemas
Buscar possíveis alternativas frente a situações que aparecem no desenvolvimento da infecção.

Tabela 4. Respostas fisiológicas-emocionais

Respostas

Estratégias de Controle Fisiológico

Aumento do ritmo cardíaco

Suor

Tensão muscular

Fadiga/ cansaço

Choro

O controle das respostas fisiológicas se consegue através do treinamento em respiração profunda e relaxamento.

Tabela 5. Respostas motoras ou comportamentais

Diminuição de

Aumento de

Estratégias de controle das respostas motoras

Atividade social

Atividade sexual

Verbalização sobre sintomas físicos

Condutas de auto-observação

Programar o desenvolvimento de atividades gratificantes

Rendimento no trabalho

Atividade lúdica

Lentificação

Agitação

Mudança de hábitos e estilos de vida

x

Ingestão de álcool, tóxicos

Treinamento em habilidades sociais

Considerações Finais

As centenas de escolas e abordagens de psicoterapia, geralmente alinhadas sob alguma ideologia, não escapam a uma crise mundial que valoriza mais a eficácia prática que as ilusões terapêuticas. Atualmente nos encontramos na etapa dos balanços. Num crescente, os poderes públicos e o público passam contas aos que têm a "responsabilidade" pela saúde mental.

A avaliação dos processos, dos custos e dos resultados dos tratamentos psicológicos, mostra-se hoje em dia como uma necessidade para todos, o que durante muito tempo foi cavalo de batalha apenas dos comportamentalistas.

Tomando parte nestas transformações ocorridas nos últimos 15 anos, as terapias comportamentais - frente à avalanche da ‘revolução cognitiva’ (Dember, 1974) - evoluíram em direção às terapias cognitivas reincorporando os estados afetivos, os processos de pensamento e a dimensão ‘inconsciente’, porém preservando seu paradigma científico original. Por isso, estas terapias alcançam uma nova síntese que, espera-se, contribuam à unificação da prática psicoterapêutica.

A atenção psicológica às pessoas afectadas pelo HIV, não se distanciou deste processo, pelo contrário, soube absorver o que de melhor os modelos 0cognitivo e comportamental podiam oferecer.

Sendo a progressão da infecção pelo HIV um fenômeno complexo, ainda não tão bem entendido como se crê (Gatell e cols., 1996), - pois depende de uma série de fatores do hospedeiro, do vírus e do ambiente, pelo qual o resultado clínico dependerá do delicado equilíbrio desta interação multifactorial - as contribuições da psicologia vêm a ser fundamentais e necessárias na agilização do processo de entendimento da mesma, e já tem apresentado bons resultados no que se refere a comprovação, através da psicologia científica, da influência dos fatores psicológicos na modulação dos sistemas biológicos - sistema nervoso central, sistema neuro-endócrino, sistema imunológico (Ader & Cohen, 1981; Antoni e cols., 1990; Bayés, 1988; 1990; 1995; Borrás, 1994; Remor, 1997).

Portanto, o papel do psicólogo nesta situação implica em ao menos três funções: (1) de pesquisa e avaliação dos componentes subjetivos, necessidade emocional e alterações psíquicas; (2) docência e formação de pessoal de primeira linha, para que estes possam melhorar sua eficácia, diminuindo, no que é possível, o custo emocional que sua tarefa pressupõe e (3) assistência direta ao paciente e sua família quando o profissional ou a equipe considere oportuno.

Cabe ainda recordar que até hoje não se dispõe de nenhuma vacina nem agente terapêutico que possam combater com total eficácia o HIV, sendo a nossa principal arma contra a AIDS a prevenção, especialmente por que conhecemos perfeitamente que o vírus se transmite através de comportamentos específicos de tipo sexual e de intercâmbio de seringas (pelo contato direto com sangue). Portanto, como mudar comportamentos é, em grande parte , uma tarefa psicológica, os psicólogos deveriam ter um papel de destaque na contenção da epidemia. Por outro lado, os transtornos psicológicos e complicações neurológicas que podem sofrer as pessoas infectadas, assim como os cuidados paliativos dos doentes em situação terminal e os numerosos problemas psicossociais e éticos também constituem aspectos importantes do problema nos quais o psicólogo deve intervir.

Para finalizar, cabe alertar que a epidemia da AIDS representa um enorme desafio para as pessoas e para os governos de todo o mundo, especialmente em relação as políticas sociais, de saúde, de pesquisa e educativas.

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Recebido em 09.03.98
Revisado em 14.08.98
Aceito em 03.11.98

1 Endereço para correspondência: Depto. Psicología Biológica y de la Salud - Facultad de Psicología. UAM. Ciudad Universitária de Cantoblanco, 28049, Madrid. España.
2 Alguns destes medicamentos estão em fase de protocolo e pesquisa em alguns países, principalmente na América do Norte e Europa, bem como as combinações de dois ou mais medicamentos, chamado 'terapia combinada', que tem dado resultados bastante positivos. As últimas conclusões da III Conferência sobre Retrovirus e Infecções Oportunistas (1996) em Washington, informaram sobre a aparição dos novos medicamentos inibidores da proteasa que combinados com os já existentes, inibidores da transcriptasa, têm demonstrado bastante eficácia. Agora espera-se a aparição dos inibidores da integrasa, que permitirá atacar o vírus, em suas três enzimas fundamentais, impedindo a sua replicação.

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